sábado, 19 de março de 2011

Famílias fazem corte, estabelecem metas e conseguem sair do vermelho

Luciana não tem renda fixa e durante anos se enrolou em dívidas. Agora, ela só compra a prazo o que está na previsão mensal e paga na data. Veja como a família Carvalho, de Queimados (RJ) faz para controlar o orçamento.
A Praia de Copacabana é o charme da zona sul carioca e também uma oportunidade de trabalho. Tudo isso fez a artista Luciana Belchior trocar o Ceará pelo Rio de Janeiro, há 15 anos. Ela mora em um pequeno apartamento de quarto e sala. Solteira, sem filhos, Luciana paga aluguel. Mas a professora de arte circense e dança não tem renda fixa e durante anos se enrolou em dívidas.
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“É horrível, quando eu falo chega a me dar um frio na barriga. Está chegando tal dia, tem que pagar tal conta e não tem dinheiro. E eu acabava entrando no vermelho do banco e é terrível porque você paga juros. É muito ruim, é sensação de despencar”, confessa.
A 60 quilômetros de Copacabana, em Queimados, município da Baixada Fluminense, a família Carvalho tem casa própria, modesta, mas espaçosa. “E o mais interessante é não estar no vermelho”, diz o funcionário público João Carvalho.
Na casa dos Carvalho, nada de conta atrasada. João e Janete têm salários fixos. Eles são funcionários públicos e trabalham na prefeitura. Mesmo com orçamento apertado, o casal se permite alguns luxos.
Janete fez pesquisa de preços, pechinchou e só comprou o vestido e os sapatos, porque eram para uma ocasião super especial: o casamento de uma sobrinha. Ainda por cima, ela e o marido foram os padrinhos. A festa foi ótima e o melhor: não abalou o orçamento da família. Até porque Janete e João fizeram um pacto: “Qualquer gasto extra acima de R$ 40 nem eu faço nem ele, a não ser depois que nós sentamos e conversamos. Dentro do que nós temos que adquirir, a gente pega, faz os cálculos de gastos e direcionamos o valor”, explica a funcionária pública Janete Carvalho.
O controle não é só com despesas extras, acima de R$ 40. O principal segredo deles para manter as contas em dia é não gastar além do que está previsto no caderno.
Janete Carvalho: Todas as despesas fixas são lançadas neste caderno, são anotadas. Quando a gente vê que está apertado, diminui.
Globo Repórter: Aqui você visualiza cada gasto?
Janete Carvalho: Sim.
Globo Repórter: Dá para saber quanto está gastando em cada mês?
Janete Carvalho: Dá, porque quando a gente traz para a realidade, você fixa o seu olhar ali e vê a despesa que você está tendo.
Para entrar no ritmo, é preciso treino. E assim também é com as contas no dia a dia. Quem olha a turma de sapateado pode até pensar que nunca vai conseguir sapatear como Luciana, mas consegue, porque eles estão conseguindo, e a Luciana aprendeu tanto que hoje é professora. Também tem muito a ensinar a quem quiser acertar o passo nas finanças.
Lição número 1: a planilha não deve prever apenas os custos, mas também a renda, o salário.
No caso de Luciana, prever a renda é um problema. “Mesmo nos meses que são mais seguros, de abril a dezembro, não é fixo, tem uma variação. Então, eu sempre faço uma previsão, uma média de quanto eu vou receber e quanto dá para gastar. E às vezes, tenho que cortar”, revela a artista.
Luciana vive se equilibrando, sempre dependendo do tamanho das turmas de arte circense e de sapateado. “É certo eu dar aula, é certo eu trabalhar, mas o que eu vou receber não é certo, porque tem mês que eu tenho dois alunos, tem mês que eu tenho 10 alunos, e aí vai”, diz.
Lição número 2: a planilha também tem que prever uma reserva financeira. Foi o que tirou Luciana do endividamento frequente.
“Todo mês que eu tenho algum dinheiro que sobra, eu boto nessa poupança. Eu só consegui nesses dois últimos anos não ficar no vermelho, porque eu coloquei pelo menos R$ 100, R$ 150 para garantir que eu ia pagar as contas lá em janeiro, fevereiro”, revela.
“Essa poupança precisa acontecer. Então, por maior que seja o orçamento, a família não precisa ficar presa ao valor, mas precisa exercitar a poupança mensalmente. Alguma coisa tem que sair daquele orçamento para uma aplicação financeira de segurança”, destaca o economista André Braz.
Lição número 3: cortar gastos.
Luciana se mudou para um apartamento com aluguel mais barato, passou a evitar desperdício de comida, congelando e dividindo as refeições em porções individuais. Ela restringiu o uso do celular, contratando um pacote de serviços mais adequado para o orçamento dela, e passou a usar a bicicleta como transporte. “Com certeza, eu gasto menos. Eu não gasto dinheiro, não gasto tempo, só gasto calorias. Melhor ainda”, comenta a artista.
Além de economizar quatro passagens de ônibus por dia, cerca de R$ 10, Luciana pôde arranjar mais um trabalho em um endereço onde ela não chegaria a tempo a pé ou de transporte coletivo. “Eu vejo engarrafamento demais na Lagoa. Eu estou aqui feliz da vida, passeando, e os carros todos parados buzinando”, destaca a jovem.
Sendo solteira, foi mais fácil para ela entrar no ritmo que precisava. Complicado é conseguir que várias pessoas entrem no mesmo compasso, inclusive as crianças.
A família Carvalho, de Queimados, tem que se esforçar. Os filhos seguem os passos dos pais. Quem nunca sentiu a vontade de comprar algo que está fora do planejamento? Mas o uso consciente do dinheiro é exercitado no dia a dia dos Carvalho, até nas pequenas coisas.
“É difícil para você lidar com adolescentes na idade que eles estão. Com esposo, é mais fácil. Mas, com as crianças, você tem que tentar fazê-los entender que eles vão colher coisas melhores se seguirem esse ritmo”, diz Janete.
É o que economistas recomendam. Se não estiverem todos em sintonia, o orçamento pode ficar comprometido. “É que a família não percebe exatamente os gastos, e todo mundo acha que está tudo bem, principalmente os adolescentes. Então, eles consomem muito telefone, tomam banhos demorados. Enfim, gastam em demasia”, aponta o economista André Braz.
Os gastos com a casa, como luz e água, além da alimentação, são os que mais pesam no bolso das famílias de baixa renda. Janete e João mostram todas as contas para os filhos.
“Essas questões também são pedagógicas para os nossos filhos, que o nome deles tem que ser zelado. Aquilo que se compra é aquilo que se vai pagar. Se deu para comprar, compre, senão aguarda um pouco, porque também tem essa questão do nome limpo. Se os filhos fizerem qualquer coisa fora disso, obviamente estarão manchando todos nós”, declara o funcionário público João Carvalho.
Os estudantes Juliana e João Júnior Carvalho ajudam a economizar. “Depois, fica todo mundo feliz, porque, quando eles veem o que aconteceu, falam: ‘mãe, ficou legal’. E ele acaba ajudando, porque ele fica: ‘Juju, não pode ficar no telefone toda hora, senão não vai dar para fazer aquilo que nós queremos no final do mês’. Eles também fazem os pedidos deles, e os pedidos são atendidos, tudo no tempo certo”, explica Janete.
Foi assim que a família conseguiu juntar dinheiro para comprar o teclado que João Júnior tanto queria.
Juliana guarda cada centavo e aprendeu a não gastar por impulso, como, por exemplo, com material escolar. No início do ano, quando as papelarias estavam cheias demais e os preços nas alturas, ela só comprou o essencial.
Globo Repórter: Foi só começar o período de aula e os preços baixaram?
Juliana Carvalho: É.
Globo Repórter: Você voltou lá e comprou?
Juliana Carvalho: Depois, nós voltamos lá e compramos o resto que faltava. A canetinha estava com um preço alto e abaixou. Os lápis de 24 cores estavam também com um preço bem alto e abaixaram.
Janete dá o exemplo, na hora das compras. Se o preço de um produto aumenta, ela substitui por outro mais barato. O almoço tem costela em vez de contrafilé, que ficou mais caro ultimamente.
“Nós, como donas de casa, temos que procurar naquele momento rejeitar esse tipo de coisa, porque você vai estar se ajudando e ajudando outras pessoas também, porque o preço vai cair e você vai conseguir comprar a mercadoria que você precisa para dar qualidade à sua família. Não aceito preço alto”, afirma Janete.
Globo repórter: Essa troca do produto resolve mesmo. Adianta não consumir para evitar até certa especulação em cima de aumento de preços?
André Braz: Evita sim, porque alguns produtos, principalmente na linha de alimentos, são perecíveis. Se você vira as costas para o produto mais caro, obviamente ele vai estragar. Então, algum limite vai haver para esse aumento de preços, e as ofertas vão começar a aparecer.
O problema é quando o orçamento não dá certo por algum motivo, como um aumento de preços ou um imprevisto que atrapalha o que foi planejado. A obra da casa estava nas contas, mas algumas paredes ficaram só no reboco, sem a pintura. A família não conseguiu realizar tudo que queria, porque, de uma hora para a outra, o fogão parou de funcionar, e foi preciso comprar um novo.
A máquina de lavar roupa também pifou. O dinheiro foi para os eletrodomésticos. Ainda assim, os planos da obra continuam de pé. Mas a pintura vai ficar para daqui a uns cinco meses. A família não quer se endividar. “A gente até fez o empréstimo para outra situação, mas não fomos felizes nesse empréstimo, porque deixou a gente um pouco em dificuldade. Então, nós agora preferimos agora esperar a fazer um empréstimo”, explica João.
“Controlar a ansiedade é difícil, porque o crédito hoje é abundante. Você consegue crédito no cartão de crédito, crédito no cheque-especial, financiamento não barato, mas fácil. Então, todo esse acesso ao crédito cria certa euforia. A família quer antecipar a compra de bens e serviços para o lar. Então, ter paciência para comprar esses bens, para se comprometer com esses financiamentos, é fundamental”, aponta o economista André.
Foi o que deu resultado também com Luciana: controlar a ansiedade e o orçamento doméstico para não cair no labirinto das taxas de juros que estão entre as mais altas do mundo.
“Eu consegui um modo de não ficar desesperada, de não ficar com aquele frio na barriga. Eu até gosto de frio na barriga, mas é quando eu estou no tecido, na adrenalina, mas não esse de não conseguir pagar as contas”, comenta a artista.
Nem foi preciso muito malabarismo. Agora, ela só compra a prazo o que está dentro da previsão mensal e paga sempre na data. “Eu, inclusive, coloco no débito automático, porque, se eu deixar para ir pagando, acabo esquecendo e, qualquer dia no cartão de crédito, eles cobram juros altíssimos. E juros nem pensar”, destaca Luciana.
Essas são lições de quem aprendeu a equilibrar o orçamento e conquistou qualidade de vida. A felicidade depende de treino, disciplina e, muitas vezes, de trabalho de equipe. O importante é dar o primeiro passo. Uma caminhada em que o ponto de partida tem nome: planejamento.
“O que você pensa você passa para o papel, e isso traça uma estrada. Já estamos projetando uma viagem, um passeio até para fora do estado, uma coisa dentro da nossa realidade. Mas que nós precisamos viver”, diz Janete.
“O que nós estamos fazendo tem dado certo com a minha família: projetar sempre antes para não embolar pé com cabeça, como diz o ditado. E a gente poder sempre fazer o que planejou”, destaca João. “Dá para ser muito feliz. É possível você ter qualidade de vida e felicidade também”, comenta Janete.

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